BLOG PERCEVEJO AZUL BARATEA
O que é um percevejo? É um inseto! Porém o percevejo, personagem desse blog, não é um inseto, embora por analogia sejam um pouco semelhantes, porque dizem que ambos podem ser encontrados nas camas de campanha dos alojamentos militares.
Eu, em particular, nunca vi tal inseto instalado em nossos alojamentos da extinta Escola de Aeronáutica do Campo dos Afonsos (onde existe agora o BINFA – Batalhão de Infantaria), do Parque de Aeronáutica dos Afonsos (atual Parque de Material Aeronáutico dos Afonsos) ou mesmo nos alojamentos do Esquadrão de Polícia do antigo Quartel General da Terceira Zona Aérea (agora 3º COMAR), onde permaneci por quase seis meses fazendo Curso de Formação de Cabos, Unidade que me trazem lembranças diversificadas e perenes.
Como pelo nosso “Folclore” o militar que dormia ou morava nos quartéis da FAB eram “Percevejos”, também chamados sem muita freqüência de “Laranjeiras”, ficou convencionado assim o nome de nosso Blog, que faz alusão ao “status” de nossa farda que “ostentávamos” como cabos, soldados e taifeiros.
Na verdade é uma forma singela e irreverente de homenagear os nossos colegas presentes e ausentes, pois muitos já não fazem parte de nosso convívio por não termos a localização de cada um ou por estarem desencarnados, falecidos, mortos...
Quando faço referência aos colegas que conviveram conosco, faço referência Aos que conhecemos no período de 1965 a 1973, porém, quando incorporamos em 1º de julho de 1965 (2ª turma de 1965), encontramos os colegas das classes mais remotas até os incorporados da 1ª turma de 1965.
Na verdade, quando incorporamos, encontramos a FAB em pleno processo de “alimpação” do efetivo, pois as turmas de 1965 e 1966 foram as maiores em número, (divididas em duas Partes), para que ficasse coberta a falta dos que foram e seriam excluídos por conta dessa “alimpação”, que na época estava velada, com base na Portaria 1.104/GM3 a qual só tivemos um indicio das intenções exatas com o conhecimento do teor do Ofício Reservado que “apareceu” 30 anos após nossas exclusões. Todos se alistaram e incorporaram com a esperança de dar prosseguimento às suas carreiras, desconhecendo os efeitos nefastos dos atos de exceção, pois estávamos caindo diretamente num buraco cheio de cobras, nos submetendo às mais diversificadas humilhações, pois éramos proibidos de tudo. Não podíamos viajar para outro estado, sem antes conseguir uma autorização do Comando; não podíamos ingressar ou sair dos quartéis sem estarmos uniformizados (a única proibição que não me incomodava, pois eu me orgulhava de minha farda); não podíamos dar nossos votos nas eleições, éramos obrigados a usar o corte de cabelo padrão, corte feito com máquina zero ou mesmo máquina um e se fossemos pegos fora dos padrões éramos detidos e punidos, depois de sermos ouvidos na “Sargenteação”.
Até o ano de 1965 não aconteceu registro de inscrições para Curso de Formação de Cabos, havendo uma quantidade considerável de Soldados de Primeira Classe incorporados antes do ano de 1964 que vieram a fazer o Curso de Formação de Cabos conosco, em 1966. Alguns cabos que já estavam promovidos antes de 1964, já contavam com mais de dez anos de serviço em 1965, teoricamente com estabilidade o que não foi impedimento que o Comando Supremo da Revolução os excluísse pela famigerada Portaria 1.104/GM3 e uns poucos excluídos pela Portaria 1.103/GM3. A Portaria 1.104/GM3 excluiu a eles e a todos nós, pois esse era o objetivo dessa Portaria, da Portaria 1.104/GM3 e Portaria 1.105/GM3, todas arbitrárias e inconstitucionais.
Na verdade a maioria dos cabos anistiados (Pré e Pós 64) conseguiram as duas divisas de cabos a partir do ano de 1966.
Com toda repressão à classe, havia Unidade que se convivia muito bem com o problema, sem que a praça sentisse a pressão política dessa “alimpação”, pois havia bastante ajuda de civis e militares para que o cabo ou o soldado tentasse o ingresso a Escola de Sargentos Especialistas em Guaratinguetá, porém havia unidade que dava chance mínima para isso, pois, afinal de contas, o efetivo era composto de jovens que acabaram de sair da adolescência, muitos com um grau de inocência enorme e total desconhecimento da política da época.
Dessa forma o tempo foi passando e muita coisa acontecendo fora dos quartéis, nos colocando em inúmeras e sucessivas prontidões e sobreavisos após cada atentado terrorista que não chegavam ao nosso conhecimento devido à nossa reclusão nas unidades militares.
Finalmente, no ano de 1973, chegou a hora e a vez dos cabos da 2ª Turma de 1965. Fui avisado que deveria percorrer o Quartel para “Desimpedimento de Ficha” (Mais uma humilhação). No Formulário que me deram estava escrito o Nome de cada seção na qual eu deveria pedir uma assinatura me liberando de qualquer dívida, até finalmente minha chegada ao Almoxarifado, onde entreguei todo o meu uniforme e o capacete. Foi um momento único e difícil. Saí de lá me sentindo despido, com uma grande sensação de perda, pois com mais de oito anos de serviço e percebendo que já estava fora, mesmo a pretexto do “boato” que a Portaria 1.104/GM3 havia caído, sentia orgulho daquela FARDA AZUL BARATEA, tão achincalhada, pisada, depreciada, até haver a mudança que aconteceu um pouco antes de sermos postos no “olho da rua”, mudanças do uniforme que já estavam anunciadas em 1966, quando saindo do QG-3, fui chamado no Portão da Guarda para responder se preferia a águia prateado ou dourada, votando pela dourada em vão...
Não foi só a mudança da cor da águia, vieram outras mudanças.
O azul celeste substituiu o azul-baratea.
A águia prateada substituiu a águia dourada.
Aos poucos observei as sucessivas modificações nos uniformes e hoje, quando vejo um soldado da FAB de serviço, me reporto aos velhos tempos da Farda Cáqui usada pelos nossos antigos colegas e tenho a impressão que foi tudo unificado e estou diante de um militar do Exército que permaneceu verde oliva até hoje.
Até parece que voltamos aos velhos tempos da Aviação Militar, quando a Aeronáutica era parte integrante do Exército.
Cheguei a vivenciar , “tenuamente” essa época, não sei quando foi, pois era muito criança. Meu Pai me levou para a festa de Natal na antiga Escola de Aeronáutica, quando de passagem pelo Corpo da Guarda vi as sentinelas com suas fardas verde-oliva e seus reluzentes capacetes à minha frente, imóveis. Hoje, com mais de sessenta anos de idade “lampejos” de acontecimentos surgem na minha memória me “contemplando” com nostálgicas recordações.
Houve muitas mudanças desde a FAB de ontem até a FAB de hoje.
O modelo organizacional parece outro, pois existe muito mais informações. Em nossa época deu-se o início da informatização que, pelo que parece, evoluiu muito.
A Fôrça Aérea Brasileira está muito bem equipada, pois a modernidade impulsionou-a para a frente.
Quando em minhas “divagações” lembro de tudo o que vi e vivi naquela época dos idos da década de 60, vem a minha mente um a um os aviões que tive oportunidade de ver seus pousos e decolagens nas unidades em que estive lotado. Lembro do N.A. T 6, que fez o então Capitão Braga brilhar tanto com suas manobras ousadas., dos bimotores C-45, C-46, C-47; dos monomotores T-21 que se destinavam ao treinamento dos Cadetes da antiga Escola de Aeronáutica e C-41; dos aviões de carga C-82 e C-119 que atuavam, principalmente, nos Saltos de Pára-quedistas e transporte de carga; do jatinho F-8, que decolava da Base Aérea de Santa Cruz para se destacar nos shows de vôos rasantes nas unidades do Campo dos Afonsos; do jatinho Paris, que atuou por pouco tempo e por último, o início da modernização das esquadrilhas com a aquisição de aviões da Avion Marcel Dassault F1, F2 e F3 e os lançamentos da Embraer, totalmente montados no Brasil, os aviões Ipanema e Xavante. Existiram muito mais, porém nos registros de minha mente já desgastada pelas dificuldades da vida são os que me lembro
AINDA OS PERSEVEJOS
Os percevejos eram sempre figuras de destaque.
Quase tudo que acontecia ou ia acontecer tinha alguma relação com os Percevejos. Todos, sem exceção dependiam ou acabariam dependendo dos préstimos de um percevejo, porque pelo fato deles “morarem” no Quartel, sempre eram úteis para nós, pois em seus armários tinham de tudo; escovas para roupa ou para engraxarmos nossos boots, águias de metal dourado para as golas do uniforme 5º A, cinto de guarnição, gorros c/pala ou gorros sem pala, os tradicionais “bibicos”, sabonetes, espelhos, barbeadores, etc. Tudo isso foi enumerado por mim, por ter havido necessidade de recorrer a um deles que sempre me “quebravam o galho” para que não corresse o risco de levar uma “canetada” e consequentemente uma punição. Havia percevejos que tinham, também, em seus armários, materiais não permitidos como cheques pré-datados (no caso dos agiotas), garrafas de cachaça (no Caso dos pinguços), pistolas e revólveres (no caso dos alterados e mal intencionados que não respeitavam o regulamento disciplinar). Havia, também, os percevejos informantes que, talvez, sem saberem eram puxa-sacos assumidos, ficavam em plantão permanente para “entregar” os colegas e subordinados que se ausentavam do serviço depois de cumprirem seus quarto de hora nos Postos que eram escalados no Boletim Interno (Serviços Diários e Instrução – 1ª parte. Esses percevejos não eram úteis para nós, somente para os nossos repressores que ficavam nos perseguindo até nos levar a uma baixa forçada ou a uma expulsão por ingresso no insuficiente comportamento.
Lembro, ainda, do colega J.Carlos, que passou o seu pouco tempo de serviço no xadrez, depois que fomos mobilizados para o então Parque de Aeronáutica dos Afonsos. Ainda, dos que vi no xadrez, quando de Serviço como Cabo da Guarda ou Cabo do Reforço, lembro do colega Ademir Nilo Gomes, do Taifeiro Ribamar, do Civil que foi preso por ter furtado uma pistola Walter no alojamento dos Oficiais, esse apanhou muito, pois a última visão que tenho dele é com um derrame no olho esquerdo. Esse preso, foi apurado que era Ex-Cabo de uma Unidade de Pernambuco, pelo menos foi esse comentário que ouvi à boca miúda, pois quase tudo era proibido comentar.